sábado, 27 de setembro de 2008

Liberdade


Liberdade

Tanta gente fala em liberdade...

Esse substantivo que abrange uma série de sentimentos inexplicáveis ou, até mesmo, explicáveis é um vocábulo paradoxal, que volta em meia cai na boca de uma pessoa que o usa para expressar o livre-arbítrio de uma saída à rua sem intenção alguma ou objetivo. Apenas vagar pelas esquinas na procura de um amigo perdido, um vento no rosto, comprar um cigarro ou tomar um chopp para esquecer o problema do dia seguinte.

O que define-se como liberdade? Seria sair por esse mundo gigantesco - que grande parte das pessoas ignora em seus próprios habitats, nas telas de computadores - e viver, conviver com pessoas diferentes de você e de mim, que fazem parte, também, dessa fauna humana de personalidades infinitas.
Ah, o ser humano! Não sou antropocentrista, porém o universo não seria o mesmo sem esse punhado de areia que somos.

Ou, talvez, a ação de colocar a mochila nas costas e navegar até horizontes desconhecidos, onde o sol, apesar de ser único, parece brilhar de uma forma um tanto quanto diferente do lá de casa. Outro dia me imaginei em Buenos Aires, em meio as vielas históricas da capital hermana. Terra de Che, Evita. Salve Maradona! Pensei que estava lá com um chimarrão nas mãos, degustando a capital européia do solo latino-americano. Pois é, exerci meu direito pleno de viajar em meus pensamentos, todavia, o que mais me impressionou foi a trajetória até lá. É incrível fazer essa viagem de kms em segundos. Uma verdadeira aberração para a tecnologia dos dias de hoje, não? O que a mente é capaz? Veículo fundamental para enteder um pouco das vertentes de nossa tão popular palavra-chave.

Agora, companheiro, diga-me que você tem a liberdade de fazer o que bem entender. Sério? Então quantas vezes você disse ao ver uma situação que aquilo ''era coisa de doido'', impossível e simplismente a preconceituou? (Apesar de, às vezes, no fundo, esconder o desejo de estar ali? Falta-lhe coragem?)

Viajar de bicicleta pelo Deserto do Atacama, ir de ônibus para a venezuela, descer ondas de dezenas de metros, ser jogador de futebol, voar em um parapente pelo céu de sua cidade maravilhosa, dançar, mesmo não sabendo. Parece-lhe distante? Serão essas prerrogativas apenas para alguns?

Quantas vezes um sonho foi interrompido antes mesmo de se dar o primeiro pontapé? É companheiro. Onde está a sua liberdade?

Vivemos em uma selva? Sim, porém seja o leão dela. Ignore os riscos, medos, avisos e descubra você mesmo coisas novas e experiências outro dia ditas impossíveis. O sonho é impossível, mas passa a ser real quando você dá o primeiro passo em direção a alcança-lo. Não deixe que esse mundo louco tire sua liberdade de sonhar. Você é livre, não?

Os Coxas bambas diziam: ''Se você não for, ninguém irá por você''. Vá na fé.

domingo, 21 de setembro de 2008

Despedida


O jovem acordou cansado, a final sua garganta estava em estado precário, inflamada pra burro. Tratou de programar uma consulta com o médico especialista no assunto para a tarde daquele mesmo dia. E assim o fez. Este lhe passou antiinflamatório e disse que aos poucos haveria melhora na região.

Após saber a cura para sua enfermidade, o rapaz resolveu assistir ao treino de seu time de futebol, que também andava mal das pernas após o dois de julho, dia do waterloo tricolor.

Já na sede, soube pelas manchetes que chegara a hora da decisão: a saída ou não do camisa 10, Thiago Neves. O meia havia jurado amor eterno ao clube das três cores e dito que jogava no melhor time do mundo. Domingo era dia de Fla-Flu e os fiéis contavam com a presença do carrasco rubro-negro na meiuca para conduzir mais um baile.

Com essa esperança no peito, o menino sentou-se junto a muitos outros fãs nas arquibancadas brancas das Laranjeiras. Ali, ele esperou cada semblante aparecer no gramado.

Um a um os jogadores iam se dirigindo ao campo para o alongamento. Ao mesmo tempo que o número de atletas no vestiário diminuía, a ansiedade pela resposta aumentava. Todos estavam curiosos para saber o fim daquela novela.

Ele não entrou.

Decepção. Coração apertado. Olhos rasos d’água.

A indústria do futebol corrompia mais um jovem talento, enganando, como de costume, àqueles que não ganham nada para estarem naquele posto de torcedor. O dinheiro goleia o carinho humano outra vez. Pobres apaixonados.

O destino? Nenhum clube de ponta da Europa. Nada de Milan, Barcelona ou outros bambas do cenário internacional. Hamburgo. Promissor time alemão, que havia desembolsado muitos euros pela contratação.

Com a mala abarrotada de verdinhos, lá se foi o ‘craque’ para ares europeus, deixando para trás o Brasil, o Rio, o Fluminense e a confiança do garoto.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Basquete



Ainda era pequeno quando iniciei na escolinha de basquetebol do meu colégio. Era um grandalhão em meio aos outros garotos, tanto na vertical quanto para os lados.

Bati muita bola lá, mas foi na quadra da rua que realmente aprendi o sentido daquele esporte. Comecei arriscando meus arremessos contra senhores de mais de 50 anos, técnicos, porém que não gozavam mais do vigor da força física de tempos atrás. Ali aprendi a jogar sem correr, usando o jogo coletivo por meio do passe.
Passado alguns meses, fui vendo que meus chutes estavam cada vez mais afiados e a esfera começava a entrar com mais facilidade.

Resolvi, então, que deveria buscar um novo desafio e lá fui eu em meio aos caras grandes, não mais os senhores, mas a mocidade do aterro.

Demorou pra pegar o ritmo de jogo. Recebi muito xingamento, ironia e humilhações, entretanto a negatividade das manhãs de domingo foi transformada em força de vontade.
Minha atividade física, que antes era jogada por diversão virou obsessão. Não aceitava um arremesso errado. As bolas de três deveriam ser redondas, os dribles desconcertantes e o fôlego em dia. Queria chegar no meio daqueles caras e conseguir o respeito que achava necessário. Para isso comecei a bater bola todos os dias, 4 horas.

O Fluminense e meu colégio eram meus centros de treinamento e lá buscava a perfeição, seja nos treinos, no recreio ou após a escolinha, quando batia bola no ginásio, em meio a uma escuridão apenas iluminada pelas frestas da parede, por onde a lua entrava na quadra e formava minha dupla favorita. Era a bola, a cesta, a lua e eu. Sozinhos.

Nos fins de semana o ritmo aumentava. Acordava às 6h da manhã, engolia meus cereais matinais e rumava às quadras do aterro. Diversas vezes era o primeiro jogador a estar lá. Gostava disso, pois quando a rapaziada chegava eu já estava ''quente''. De lá saia umas 14h, apenas para almoçar, ver meu tricolor e descansar. Todavia, quando o sol começava a se pôr, lá ia eu para as quadras novamente. A temperatura já era mais amena e isso facilitava, pois o desgaste era menor. Além disso, o desafio de jogar com os caras da noite fazia com que cada partida fosse o jogo da minha vida. Eu, garoto de 14 ou 15 anos, batendo bola com uns gigantes de 2 metros e lá vai fumaça ou pequenos, porém habilidosos, armadores. Tinha dias que nem jogava, ia só pra assistir, ver o que podia sugar dali para colocar no meu jogo.

O tempo foi passando e eu emagrecendo. Fiquei magrinho. Magro demais por sinal. Consegui jogar as peladas noturnas, onde tentava crescer a cada dia, entrar em um clube, ganhar a garota que tanto almejava no colégio e, por fim, usar o basquete como válvula de escape nos momentos mais complicados. E esses, como na vida de qualquer pessoa, são muitos.

O problema de meu pai, a perda de pessoas queridas, as decepções e os problemas do dia a dia eram todos esquecidos quando entrava naquela quadra. Bater bola me fazia esquecer do mundo lá fora e entrar em um outro, onde a felicidade era baseada em chuás, jogadas e tocos.

O relógio da vida passava e eu ia mudando minha personalidade, meus gostos e minhas metas. Ia aos poucos tendo novas conquistas, novas derrotas e, o mais importante, novos aprendizados.

Hoje, não busco mais a perfeição de tempos atrás, até porque tenho outros objetivos, como entrar na desejada faculdade de direito para poder um dia ajudar esta sociedade carente de justiça e honestidade.

Porém, nos momentos em que preciso descansar a cabeça, a solução continua sendo a mesma. Pego minha querida e já velhinha bola e caminho até meu mundo imaginário. Lá começo a pensar o quanto passei para estar naquele nível, o que aprendi e ganhei. As felicidades que aquele esporte me trouxe.

Volto pra casa exausto, já que meu preparo físico já não é como o de antes, mas com a mente em perfeita paz e com a esperança de que poderei sim vencer novos obstáculos como já fiz um dia.

Como diria meu antigo técnico, com quem aprendi bastante, mas que não ia muito com a minha cara:

''Culhões, Panco! Culhões! E vai atrás da bola. ''

''Sempre, senhor. Sempre.''

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Pescador de Ilusões



Pescador de ilusões 5

Joguei um anzol 3

Para fisgar teu coração 7
Na isca, apenas sentimento 7
Sob o luar do firmamento 7
Eu profiro minha oração 7

Nas ondas, vai meu destino 7
Com vento, minhas lembranças 7
Agora só sou um menino 7
olhos fartos de esperança 7

Irei navegar na sua poesia 8
Mergulharei em versos profundos 8
Descobrirei corais de magia 8
Serei pirata de teu mundo 8

Mas sou apenas um pescador 7
Seduzido por ti, sereia 7
Aqui, sentado na areia 7
Imagino você, meu amor 7

Vou embora, minha princesa 7
Minguante, minha lua sorriu 7
Não adianta chorar tristeza 7
Meu sonho com brisa partiu 7

Restaram-me só lágrimas 7
A minha âncora, a solidão 7
Volto a casa com desgosto 7

Por tu não passares de uma ilusão. 9


''Saravá, seu Caymmi.''

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

11 de Setembro


11 de Setembro

Um homem de terno esporte caminhava apressadamente de um lado para o outro em passos ansiosos sob um ambiente escuro e tenso. Na sala vazia do segundo andar de La Moneda, esse só tinha como companheiras as paredes, enquanto lembrava sua vida nos prováveis últimos segundos dela.

Ele retira os óculos e com a manga de seu paletó limpa a porção engordurada de suor que se acumulara nas lentes cristalinas que um dia enxergaram um futuro igualitário para a nação que tanto amara.

Aviões riscam o céu. Concomitantemente, a Plaza de la Constitución é ocupada por carabineiros e integrantes da junta militar que auxiliavam na administração estatal.

Em meio ao burburinho de tanques e armas, um elemento bigodudo destaca-se na multidão.
Judas Iscariotes, o Pinochet.
No prédio, o homem caminha a passos curtos ao divã. Lá se ouve um único tiro. Um, para tirar a vida da única pessoa que não abandonou seu posto diante das ameaças da guarda condor protegida por penas de águia.

As bombas são atiradas sobre o prédio.

Foram necessários 15 bombardeios para que as labaredas subissem pelas janelas do palácio e, com elas, o sonho de uma América socialista se queimava, virando, por fim, cinzas nos escombros presidenciais.

Sob as ruínas, os soldados chilenos procuravam o corpo do homem a quem tinham traído. Subiram com dificuldades até o segundo andar destruído e o encontraram deitado num divã, em meio a um mar constituído de seu próprio sangue. Ao seu lado, a metralhadora com a inscrição ‘’ A seu amigo e companheiro de luta Salvador, Fidel Castro’’.

Allende, no dia 11 de setembro de 1973, morria por seus ideais socialistas.

‘’Tengo Fé em Chile y su destino’’

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Bicicleta


Demoraram dezenove anos para aquele garoto aprender a andar de bicicleta. Não que fosse uma situação difícil de ser realizada, e não foi. Bastou o momento certo, na semana certa, na rampa certa e ele deslizou no asfalto como uma criança de oito anos após descobrir o fascínio das duas rodas.
Passaram-se semanas e esse aprendiz foi evoluindo na prática ciclística. Já andava no meio dos carros, nas passagens estreitas e rodava por tudo quanto é lado, com sua querida e nova companheira.
Mas eis que chega uma noite daquelas. Ele, com uma vontade absurda de chegar em casa, corre afoitamente sob a lua que iluminava a pista do aterro do Flamengo, sua estrada predileta. Como diz o ditado, a ‘’primeira vez a gente nunca esquece’’.
O primeiro tombo foi inesquecível. O rapaz realizou um daqueles vôos de dar inveja aos aviões mais modernos. Flutuou alguns segundos e se espatifou nas pedras portuguesas que construíam o chão por onde iria passar.
A noite estava solitária. Ele, todo machucado no chão, resmungava incrédulo. Eis que chega uma viva alma correndo em sua direção.
''Um mendigo! Além de cair ainda vou ser assaltado. Só era o que me faltava... - pensou ele, enquanto martelava um jeito de reagir a provável ofensiva.
A silhueta seu aproximou, chegou mais perto e ofegante perguntou de forma estupefata, atropelando as palavras: '' Tudo bem com você? Você se machucou? Tenta ir ao hospital, o ferimento tá sangrando e pode te deixar doente. ''
O menino, não o respondeu. Ficou boquiaberto com sua falta de sensibilidade e preconceito. Agradeceu sem graça o gesto do pobre coitado e rumou para seu lar, ainda sentido com o que fizera.
Semanas depois, o aprendiz de duas rodas estava na Marina da glória, andando com seu veículo de forma tranqüila. Com a brisa marinha batendo em seu rosto, ele ouvia suas músicas prediletas no rádio de seu celular.
Tudo na perfeita harmonia, até que resolveu passar para a pista principal, situação normal, já que teria que descer um degrau.
Seria normal, caso este não tivesse feito uma lambança no pequeno meio fio que separava o degrau da pista.
Pela segunda vez na vida, o projétil foi lançado no asfalto sem dó nem piedade. A gravidade é cruel. Está certo que foi com menos intensidade, já que não vinha correndo como da outra vez, porém a situação patética de cair na frente da Marina é algo que dói bastante.
Eis que sua primeira reação ao tentar se levantar foi olhar para o lado e lá ele observou um pequeno grupo - talvez uma família da baixa burguesia carioca, ou alta, não se sabe - e de lá ele acompanhou uma série de gargalhadas histéricas.
Ao perceber que o garoto os observava de longe, o chefe da família redigiu o seguinte comentário para o rapaz: '' Eita, não sabe andar de bicicleta, não?''
O garoto, revoltado com a falta de cordialidade, retrucou com uma voz serena: ''Poderia ter me ajudado ao invés de fazer piadinhas''. O semblante da família fechou.
Após isso, uma dupla de homens que assistia a cena atrás da família perguntou ao garoto se estava bem. Este respondeu com um sinal positivo e disparou pela pista do aterro, ainda lamentando.
Ao pedalar ele ia pensando na voz do mendigo que o acolhera da outra vez e daí tirou a conclusão que o caráter não veste roupa, não tem classe social, não precisa ter casa ou nome.

As pessoas realmente são surpreendentes.

Mais tarde, no turbilhão de pensamentos pós acidente, ele acabou lembrando de outra frase, esta estampada no paredão do quartel de triagem, onde havia se alistado tempos atrás: "A verdadeira medida do caráter de um homem é o que ele faria se soubesse que nunca seria descoberto."